SEMANA DOS POVOS INDÍGENAS 2017

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Pe Nelito Dornelas

“A Igreja está na Amazônia não como aqueles que têm as malas na mão, para partir  depois de terem explorado tudo o que puderam”.

(Papa Francisco aos Bispos do Brasil, Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013)

 

Tema: Povos indígenas, Territórios e Biomas: Berços de Vida, Lutas e Esperança

 

Objetivos específicos

 

1- Conhecer as características dos principais biomas brasileiros.

2- Demonstrar as múltiplas formas com que se organiza a trama da vida, nos diversos biomas brasileiros.

3- Reconhecer que a manutenção da diversidade destes biomas requer que se conheçam suas características, que se respeite a teia complexa que mantém a vida em equilíbrio em cada contexto.

4- Discutir sobre alguns dos problemas enfrentados pelos povos indígenas e comunidades tradicionais quando seus territórios são invadidos ou quando, sobre eles se estabelecem empreendimentos predatórios.

5- Convidar a refletir sobre os efeitos das ações predatórias em curso, que violam os direitos das populações indígenas e, em última instância, colocam em risco a vida no planeta.

6- Debater e refletir sobre a questão indígena no Brasil, discutindo sobre o inaceitável modelo de desenvolvimento econômico que prima pela exploração e destruição do meio ambiente, dos mananciais ecológicos, das águas, rios e mar.

7- Denunciar o desrespeito aos direitos dos povos indígenas e das práticas de violência que contra eles são cotidianamente desencadeadas pela omissão ou conivência dos poderes públicos.

8- Renovar a esperança dos povos indígenas, articulando pessoas, instituições civis, sociais e religiosas que se dedicam à promoção do bem comum, da justiça e da solidariedade.

9- Criar mecanismos que possibilitem a reverção da realidade de desigualdades, de violências e de destruição.

10- Refundar os espaços coletivos para partilhar as inquietações e descobrir soluções conjuntas.

 

Povos indígenas, quem são e como vivem?

 

Estima-se que, na época da chegada dos europeus em 1500 em nosso território, os indígenas aqui existentes eram estimados em mais de 1.000 povos, somando entre dois e quatro milhões de pessoas.

Em pleno século XXI a grande maioria dos brasileiros ignora a imensa diversidade de povos indígenas que vivem no país.

Vivem hoje no Brasil, segundo dados do IBGE de 2010, 305 povos indígenas em milhares de aldeias, situadas no interior de 705 Terras Indígenas, com uma população de 896.917 pessoas, pertencentes a 253 povos, falando mais de 274 línguas diferentes, além de 70 tribos vivendo em locais isolados e que ainda não foram contatadas.

Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país.

Das 1.113 terras indígenas reconhecidas, em processo de reconhecimento pelo Estado brasileiro ou reivindicadas pelas comunidades, até dezembro de 2016, apenas 398, ou 35,75%, tinham seus processos administrativos finalizados, haviam sido registradas pela União.

Os povos indígenas estão presentes em todos os Estados brasileiros, exceto no Piauí e Rio Grande do Norte. A maior concentração está nas regiões Norte e Centro-Oeste.

 

Biomas e as teias da vida

Os povos indígenas e as comunidades tradicionais têm muito a nos ensinar sobre uma atitude atenta ao meio ambiente, e esta é uma capacidade desenvolvida a partir de seus modos próprios de viver e de entender as relações entre os seres, na terra. Para viver, e não meramente sobreviver, é preciso ver nos outros – pessoas, animais, plantas – não um inimigo ou um concorrente, e sim um elemento que integra a trama da vida e que tem, nela, o seu lugar.

Na cultura ocidental somos desabilitados para a construção de relações respeitosas com o meio que nos cerca. Somos ensinados a pensar que os seres humanos estão acima dos demais seres vivos, e que seria sua tarefa dominar o mundo natural e subjuga-lo à sua vontade. Desse modo, vamos perdendo gradativamente a capacidade de nos afetar e de nos compadecer com cenas de destruição cada vez mais comuns de espécies vegetais e animais, pois passamos a compreendê-las como perdas necessárias para assegurar a construção de um país desenvolvido.

Ironicamente, perdemos também a capacidade de nos sensibilizarmos com a dor de outros seres humanos, especialmente se estes não comungam das mesmas crenças e da mesma disposição de tudo dominar e subjugar. É preciso, portanto, restabelecermos os fios que nos conectam com os outros, e que nos integram à teia da vida. Esta é uma perspectiva ancestral, sabiamente enunciada pelo Cacique Seattle, em 1854, quando o presidente dos Estados Unidos propôs comprar uma grande área das terras do povo Duwamish.

O discurso do cacique Hatuey, diante da iminente invasão de Cuba, pelos espanhóis, em 1511, é novamente atual. Bartolomeu de Las Casas nos relata como o cacique explica a seu povo as atrocidades dos invasores, por causa do seu Senhor: “Esse senhor é o ouro. (…) Por ele nos perseguem; por ele mataram nossos pais e irmãos e toda a nossa gente e nossos vizinhos, e nos privaram de todos os nossos bens, e por ele nos procuram e maltratam.”[1]  E o cacique manda jogar o ouro da aldeia no rio.

 

Cosmovisão indígena

Sobre o equilíbrio frágil das relações entre os seres que constituem o que nós chamamos de “biomas”, os povos indígenas costumam utilizar uma linguagem metafórica que concebe todos os envolvidos, sejam eles “humanos”, “animais”, “vegetais”, “elementos geológicos” ou “cursos de água”, como pessoas – sujeitos políticos que conversam, brigam, namoram, trocam alimentos ou cantos e podem até guerrear e canibalizar-se entre si.

Não são simplesmente “administradores” ou “dominadores” de um lado enquanto do outro estão “espécies” cadastradas, exploradas, gerenciadas e mercantilizadas.

Empresas do setor privado e instituições governamentais do Estado brasileiro se dedicam a mapear jazidas de minérios e discutir regras sobre o processo de autorização de lavra, a determinar o potencial energético de um rio medido em kilowatts ou a calcular o valor financeiro gerado pela exploração turística de determinada paisagem, estes povos – Suruwaha, Paumari, Jamamadi, Yanomami, Ticuna – passam seus dias prestando atenção ao canto de determinado tipo de cigarra para saber dela se já devem começar a plantar mandioca; criam músicas sobre as viagens do povo das matrinchãs ou o amor que o espírito da embira sente por seu animal de estimação. Ensinam aos seus filhos como agradar ao arumã depois de retirar suas fibras vegetais para fazer um cesto, e planejam a abertura de caminhos baseando-se, entre outros, em critérios como o cuidado para não invadir o território das pessoas – tabocas, que poderão irritar-se com a presença humana e resolver fazer adoecer os transeuntes.

 

Cultura do desprendimento coletivo

Os franciscanos da primeira hora da conquista elogiavam o “desprendimento” dos índios. Esse “desprendimento” dos povos indígenas não era uma questão de “virtude” individual, mas de seu projeto de vida coletivo. Ao salvar o papagaio, a yanomami, como pessoa no meio de seu povo, não é mais virtuosa que muitas pessoas da nossa sociedade. O que faz a diferença entre a sociedade indígena e a sociedade não indígena é a escolha não entre dois senhores, mas a escolha de um senhor e de nenhum senhor. As sociedades indígenas rejeitam as falsas alternativas entre anarquia e senhorio, entre igualdade e liberdade, entre felicidade e justiça. Vivem a “coincidência dos opostos”, as igualdades em liberdade, a felicidade com justiça, o consenso na diversidade, a festividade no trabalho. A transformação do mundo não vai ser o resultado de mais virtude individual, mas de mudanças estruturais.

Para a sociedade indígena, “tempo” não significa “dinheiro”. Os índios sabem “perder” tempo com o crescimento de seus filhos. Desde que nasce, a criança indígena é bem amparada, como indivíduo, em sua comunidade, e é educada para viver em comunidade. A criança que nasce é de todos. A comunidade indígena não deixa ninguém cair na marginalidade social. Entre os 5 mil xavante nasce a cada ano uma aldeia nova, com mais de 250 crianças, sem “menores abandonados”. As crianças não são um impedimento para a prosperidade do povo, mas causa de alegria e bem-estar social e ecológico. A “água viva” dos rios é habitada pelos bons espíritos. A “água morta”, a água parada dos lagos, é habitada pelos espíritos maus. Assim, a luta pela preservação dos rios é uma luta vital, ecológica e espiritual pela presença dos bons espíritos.

A educação indígena não algema o indivíduo ao mundo produtivo e competitivo do mercado. A educação não é estressante porque não é fonte de renda nem visa ao lucro. Prepara para a vida e para a alteridade, que é a liberdade de ser respeitado em sua diferença.

A escola do “outro mundo” nascerá no exato momento em que o “eu tenho uma coisa para ti ensinar” for substituído pela atitude do “nós temos algo a aprender juntos”. Numa sociedade onde um sabe o que todos podem saber, e onde um tem o que todos podem ter, a sabedoria e a propriedade não se transformam em instrumentos de dominação.

Na sociedade tradicional dos povos indígenas se aprende, desde o nascimento, que a solidariedade com a vida é de responsabilidade de todos. Por isso não pode ser terceirizada para o Estado ou outras instituições. Nas sociedades indígenas não existe um orfanato para menores, nem um asilo para os velhos, nem um hospital para os doentes, nem uma cadeia para criminosos. A sociedade indígena sabe resolver todos os “problemas” que levaram a “sociedade civilizada” à fundação dessas casas de caridade e reclusão que separam os indivíduos da comunidade e que se tornaram fontes de lucro na rede privatizada de privilégios e poder.

O projeto de vida do mundo “tradicional” produz uma solidariedade imediata e pré-institucional. Atrás dessa solidariedade está a experiência de que a vida é vida em rede, onde uns têm necessidade dos outros. A vida do outro é necessária. Todos são necessários. E desde cedo a criança aprende em sua aldeia que não só o vizinho, mas também os animais e as estrelas, as plantas e as árvores, os espíritos e as almas fazem parte desta rede da vida onde as fronteiras entre “sujeito” e “objeto” ainda não são marcadas por muros que separam, e pela dominação. Quando, algumas décadas atrás, os antropólogos chegaram ao povo mynky, encontraram uma comunidade que, antes de cortar uma árvore, pedia o perdão da árvore a ser cortada.

Depois do contato com a sociedade não indígena, muitas coisas mudam nas aldeias. Nada se encontra mais no estado “puro”. Aliás, esse estado puro nunca existiu. Porém, no centro da vida do povo guarani, por exemplo, estava a festa. Quando os missionários do século XVI  proibiram ou reduziram as festas, os guarani deixaram de plantar suas roças. A sociedade guarani não vive para produzir, mas produz e trabalha para viver. Os eixos de sua cultura são a reza, o canto e a dança. O “outro mundo” dos povos indígenas é um mundo festivo e ritual, centrado na pessoa e na comunidade, na gratuidade recíproca e na partilha. Na festa, ao repartir o alimento o espaço se transforma e o tempo para.

 

Código de ética dos indígenas norte americanos

 

  • Levante-se com o Sol para orar. Ore sozinho. Ore com frequência. O GRANDE ESPÍRITO o escutará, se você ao menos, falar!
  • Seja tolerante com aqueles que estão perdidos no caminho. A ignorância, o convencimento, a raiva, o ciúme e a avareza, originam-se de uma alma perdida. Ore para que eles reencontrem o caminho do Grande Espírito.
  • Procure conhecer-se, por si mesmo. Não permita que outros façam seu caminho por você. É sua estrada, e somente sua! Outros podem andar ao seu lado, mas ninguém pode andar por você!
  • Trate os convidados em seu lar com muita consideração. Sirva-os com o melhor alimento, a melhor cama e trate-os com respeito e honra.
  • Não tome o que não é seu. Seja de uma pessoa, da comunidade, da natureza, ou da cultura. Se não lhe foi dado, não é seu!
  • Respeite todas as coisas que foram colocadas sobre a Terra. Sejam elas pessoas, plantas ou animais. Respeite os pensamentos, desejos e palavras das pessoas. Nunca interrompa os outros nem os ridicularize, nem rudemente os imite. Permita a cada pessoa o direito da expressão pessoal.
  • Nunca fale dos outros de uma maneira má. A energia negativa que você colocar para fora no Universo, voltará multiplicada para você!
  • Todas as pessoas cometem erros. E todos os erros podem ser perdoados!
  • Pensamentos maus causam doenças da mente, do corpo e do espírito. Pratique o otimismo!
  • A natureza não é para nós, ela é uma parte de nós. Toda a natureza faz parte da nossa família terrenal.
  • As crianças são as sementes do nosso futuro. Plante amor nos seus corações e regue com sabedoria e lições da vida. Quando forem crescidos, dê-lhes espaço para que continuem crescendo!
  • Evite machucar os corações das pessoas. O veneno da dor causada a outros, retornará à você.
  • Seja sincero e verdadeiro em todas as situações. A honestidade é o grande teste para a nossa herança do Universo.
  • Mantenha-se equilibrado. Seu corpo Espiritual, seu corpo Mental, seu corpo Emocional e seu corpo Físico, todos necessitam ser fortes, puros e saudáveis. Trabalhe o seu corpo Físico para fortalecer o seu corpo Mental. Enriqueça o seu corpo Espiritual para curar o seu corpo Emocional.
  • Tome decisões conscientes de como você será e como reagirá. Seja responsável por suas próprias ações.
  • Respeite a privacidade e o espaço pessoal dos outros. Não toque as propriedades pessoais de outras pessoas, especialmente objetos religiosos e sagrados. Isto é proibido.
  • Comece sendo verdadeiro consigo mesmo. Se você não puder nutrir e ajudar a si mesmo, você não poderá nutrir e ajudar os outros.
  • Respeite outras crenças religiosas. Não force as suas crenças sobre os outros.
  • Compartilhe sua boa fortuna com os outros. Participe com caridade.

 

Para concluir

Ficaram alguns aprendizados: podemos sempre começar de novo, no luto e na vitória, a luta continua, não é a chegada que importa, mas a caminhada. Façamos das pedras caminho, das perdas,  memória, da dor, oportunidades, do medo, arado, do sonho, pão e horizonte.  (Pe Paulo Suess)

 

Oração da causa indígena

Dom Pedro Casaldáliga

Pai-Mãe da Terra e da Vida,
Deus Tupã de nossos pais e mães,
Venerado nas selvas e nos rios,
No silêncio da lua e no grito do sol:
Pelos altares e pelas vidas destruídas
Em teu nome, profanado,
Nesta nossa Abia Yala colonizada,
Te pedimos que fortaleças
A luta e a esperança dos povos indígenas
Na reconquista de suas terras,
Na vivência da própria cultura,
Na fruição da autonomia livre.
E dá-nos (a nós, neocolonizadores)
Vergonha na cara e amor no coração
Para respeitarmos esses povos-raiz
E para comungar com eles em plural Eucaristia.
Awere, Amém, Aleluia!