SANTOS INOCENTES

 

Neste 28 de dezembro a Igreja celebra o dia dos Santos Inocentes. A bíblia tem um relato dolorido sobre a maldade de Herodes com as crianças de Belém e seus arredores. O evangelho de Mateus 2,13-33 assim narra: “Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar. José levantou-se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até a morte de Herodes para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta: Eu chamei do Egito meu filho. Vendo, então, Herodes que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou massacrar em Belém e nos seus arredores todos os meninos de dois anos para baixo, conforme o tempo exato que havia indagado dos magos. Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo profeta Jeremias: Em Ramá se ouviu uma voz, choro e grandes lamentos: é Raquel a chorar seus filhos; não quer consolação, porque já não existem! Com a morte de Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egito, e disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e retorna à terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino. José levantou-se, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Ao ouvir, porém, que Arquelau reinava na Judéia, em lugar de seu pai Herodes, não ousou ir para lá. Avisado divinamente em sonhos, retirou-se para a província da Galiléia e veio habitar na cidade de Nazaré para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas: Será chamado Nazareno”

Certamente muitos viram esta cena no filme sobre Herodes em que trata desta cena com muito realismo. O sofrimento de uma criança. A lágrima de uma criança. A dor de uma criança. No decurso de minha vida como padre e bispo já vi muitas cenas de lágrimas de crianças, lágrimas de mães. Ao lado de tanto sorriso, carinho, amor, dedicação da família, dos pais em especial da mãe não podemos deixar de trazer a dura realidade das crianças. A minha geração foi marcada pela imagem de uma menina correndo nas estradas de Vietnam sendo atingida por pó de uma bomba de napalm (incendiária com pó químico que queima a pele em profundidade e a maioria das pessoas atingidas não resistem). Esta imagem tornou-se na década de 60 o símbolo da crueldade da guerra e da destruição, na época os americanos lançaram sobre países pobres da Ásia. Reações de artistas como músicas dos Beatles, protestos na marcha de Paris, a universalização da Música “Era um garoto Que como eu”. A imagem da menina correu pelo o mundo com a tecnologia da época.

criançaMas não vamos somente olhar para o passado. Hoje milhões de seres humanos gerados com juras de amor e depois sofrem o cruel aborto clandestino ou oficial; o sofrimento de crianças que nascem com doenças graves. Quem não recorda cenas de crianças com câncer, leucemia. Tive a oportunidade de viver e conviver bem de perto esta realidade durante o tratamento de quimio. O olhar triste destas crianças me converteram. E quem não chorou ao ver crianças recolhendo comida nos lixões. Santa Tereza Calcutá narra que um dia ela deu um pedaço de pão para uma criança esquelética. E a criança comia lentamente o pão. E ela perguntou: Por que você come tão devagar? E a criança não respondeu. Mas ela intuiu: Para mais tempo sentir o gosto de comida na boca. Crianças nos hospitais, crianças que vão sendo mortas por políticas de exclusão das camadas pobres. Interessante que hoje no Brasil o grande vilão são os aposentados e os programas sociais. E em nenhum momento se citou os altos salários dos três poderes e das autarquias e tantas outras corruções alastradas e a injusta distribuição de renda. Em nenhum momento se falou em cortar gastos com os ricos. Somente com os pobres. Nesta seca que assola o Nordeste Brasileiro são milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. E as mais sofridas são as crianças. Recordo a música de Luiz Gonzaga “A triste partida” “De pena e saudade – Papai sei que morro – Meu pobre cachorro – Quem dá de comer? –  Meu Deus, meu Deus – Já outro pergunta – Mãezinha, e meu gato? – Com fome, sem trato – Mimi vai morrer – Ai, ai, ai, ai – E a linda pequena – Tremendo de medo – “Mamãe, meus brinquedo – Meu pé de flor?”- Meu Deus, meu Deus – Meu pé de roseira – Coitado, ele seca – E minha boneca – Também lá ficou”. (8º verso).

E sofrimentos de inocentes. Crianças que veem o pai, ou a mãe saindo de casa… ela não consegue entender o que  está acontecendo entre os pais! Mas se a fome dói, se a doença machuca, se a violência contra a criança traz marcas profundas na personalidade, não podemos deixar de sentir a dor de uma criança explorada e abusada sexualmente. É a continuidade do holocausto a indefesos.

Essas palavras que ser a solidariedade com as crianças que sofrem, mas também a solidariedade de tantos gestos de amor, e muitos e muitas no anonimato cuidam, protegem, defendem as crianças com a destreza das águias, com a ternura das pombas, com a beleza dos papagaios, com o carinho de mãe, com o encanto e o sorriso de uma criança.

Continue escrevendo. Que outras formas de “matança dos santos inocentes você gostaria de escrever”? Ou que belos exemplos de cuidados com as crianças merecem ser conhecidos?

Juventino Kestering
Bispo de Rondonópolis-Guiratinga