Reflexão: RENASCER DE UMA ESPERANÇA

 

A 41ª Assembleia Regional do CIMI-MT (19 a 23 de julho de 2015, Fatima de São Lourenço, diocese de Rondonópolis-Guiratinga), traz na carta convite as palavras: “convidamos para conosco celebrar, refletir, avaliar, articular, conviver e planejar a caminhada enquanto missionários e missionárias em Mato Grosso”.

A Carta de Santarém (1972, quando os bispos da grande Amazônia lançaram a Carta de Santarém em que definiram o pensamento …”  sintetizou o espírito desta assembleia, bem como indica opções proféticas em favor dos povos indígenas. “Expressamos nossa gratidão ao Deus da vida porque nestes anos de caminhada, não obstante nossas fragilidades, nossa Igreja tem anunciado Jesus Cristo ressuscitado, caminho, verdade e vida e tem marcado presença junto ao povo sofrido, sendo muitas vezes a voz dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros e migrantes, nas periferias e em novos ambientes dos centros urbanos animando as comunidades na reivindicação do respeito pela sua história e religiosidade”. Mas o tema desta assembleia inquieta e alegra: “A realidade exige mudança”. Qual a realidade? Como está a realidade dos povos indígenas? Quais as esperanças que podemos arrancar o útero da terra, para continuarmos com ânimo em nossa missão? Onde fortalecer a nossa esperança? A pessoas humana, o planeta terra, a ecologia humana, no linguajar do Papa Francisco na “Louvado Seja”. Sem dúvida o Evangelho, o Reino a proposta de Jesus Cristo está no centro.  Luzes brilham, nascer teimoso do sol alimenta a esperança, sonhos são partilhados, um novo olhar, novas palavras. Palavras deixam de serem palavras quando tem o peso de pessoas, de vida, de dor, de esperança.

O Papa Francisco recupera o Concilio Vaticano II com o estilo de ‘aggiornamento’, como queria João XXIII, isto é: estar atento aos contextos atuais. E faz isso de maneira prática, de pastor com ‘cheiro de ovelha’. Assim podem ser interpretados seus gestos. Estes não são ‘lances de marketing’ para a publicidade, mas a vivencia de um papa que quer viver como cristão: alegria do evangelho. São as fórmulas do Concilio: igreja dos pobres, caridade pastoral, atenção às ‘alegrias e esperanças, tristezas e angustias dos homens e mulheres de hoje’ (GS 1)

A intuição mais forte é a necessidade de atender o fundamental: a experiência cristã fundamental. Pagola chama a isso de ‘voltar a Jesus’. Francisco propõe de maneira concreta o que Bento XVI escrevia em linguagem teológica sobre o ‘encontro com Jesus vivo hoje’, que não é uma doutrina, mas uma pessoa viva. Francisco dá umas tonalidades muito vivas ao encontro com Jesus.

A experiência cristã fundamental é a ‘alegria do evangelho’. Essa alegria é experiência concreta, que pode ser vivida por todos.  O evangelho produz alegria e essa alegria cresce quando é comunicada. A alegria é descrita por João (1Jo 1,1-4) como um ‘sentir na pele o amor concreto de Deus’. “O que vimos, o que ouvimos, o que nossas mãos apalparam do Verbo da Vida é o que vos comunicamos… para que vocês estejam em comunhão com Deus e conosco e nossa alegria seja completa”. Onde não há alegria falta Deus. Não pode acontecer que haja discípulos com ‘cara de vinagre’, desanimados, desesperançados, acomodados ou puramente ocupados da sua santificação individualista.

Essa alegria é gratuita: um dom. Se pode pedir. E Deus está sempre disposto a per-doar e doá-la a todos e todas. A causa dessa alegria é o amor gratuito e irrenunciável do Pai, manifestado em Jesus Cristo, em toda a sua vida e ação, que chega ‘ao extremo’ na morte e Ressurreição, tudo vivificado e comunicado a nós pelo Espírito do Amor. ‘Eu nunca vos abandonarei’, dizia o profeta. A ‘maneira’ de Deus agir é a Misericórdia: ‘nunca se cansa de perdoar’ (Is. 40,28). A proposta do papa é que os cristãos realizem diariamente o encontro como Jesus Cristo ressuscitado, “causa da nossa alegria”. Encontrar-se com Ele, ouvi-lo, escutá-lo. Desse encontro nascerá a ‘conversão ao evangelho’ e o desejo de ir ao encontro dos irmãos como André, para convidá-los a encontrar-se com Jesus. “Vinde e vede” (Jo 1,39). Dai virá o seguimento e o compromisso com seu projeto de fraternidade = o Reino.

 

A alegria da evangelização

A experiência cristã, o encontro com Cristo e a evangelização não acontecem no intimismo e de maneira a-histórica; mas encarnadas, o ‘lugar’ onde as pessoas moram: as situações que conduzem e condicionam as vida das pessoas. As pessoas vivem, sofrem, se solidarizam em contextos culturais, sociais, políticos, económicos e religiosos determinados. A evangelização precisa levar em conta esses contextos concretos. A evangelização é ‘encarnação’ do evangelho nos veios da vida das pessoas e nos povos. O método evangelizador visa, sobretudo a presença junto ao povo, com fez Deus ao longo de toda a história.

O papa Francisco propõe um processo de ‘presença’. Ele retoma as intuições da Evangelii Nuntiandi e as formula com palavras que todos entendem: Primeirar (saber ir à frente, tomar iniciativa), envolver-se (estar junto, imbuir-se), acompanhar (avançar no caminho, caminhar junto, ter um projeto, oferecer uma proposta), frutificar (cuidar do trigo para que não se perca junto com o joio), festejar (celebrar cada passo, alegrar-se, alegria de viver as fé numa comunidade).

Essas indicações pastorais sinalizam o caminho da ‘conversão pastoral’, a conversão missionária, que exige a experiência do encontro com Jesus vivo. Este é o objetivo final do ‘sonho de Deus’, a participação de todos na sua vida. Evangelização não é um esforço de heróis esforçados e sacrificados; mas a vivencia da alegria da fraternidade. É este o nome do Reino de Deus, que ‘está presente no meio de vós’ (Lc 17,21).

 

Os contextos atuais

As situações da sociedade e a da Igreja são diferentes do tempo de Jesus; e também do tempo do Concilio Vaticano II. Aqui o papa descreve, com traços firmes e bem articulados, algumas características – positivas e negativas – das sociedades hoje: consumismo individualizador, que produz marginalização, exclusão e tédio; ‘globalização da indiferença’, esquecimento do outro, da outra e de Deus, economia que produz desigualdade e exclusão, pobreza; que estimula a violência e mata; política de poder que não serve o bem comum; justificativas culpando aos pobres e suas culturas… O papa faz analises de fatos. Não recorre a estatísticas ou teorias políticas, económicas ou ‘científica’. Nem análise marxista ou socialista, nem dados capitalistas e de mercados. Ele remete aos fatos que todos estamos vendo e vivendo: problemas dos migrantes, exclusão de países e grupos sociais, interesses comerciais ou de países… E declara isso com toda clareza. É o que todos estão vendo.

            O olhar do papa Francisco é para os ‘efeitos’, os ‘frutos’ das práticas e das instituições humanas, políticas, económicas, sociais e religiosas. O fruto: os pobres morrem de frio enquanto a bolsa sobe ou desce alguns decimais e isto é mais importante que a morte de um andarilho.

 

A denúncia

A denúncia é fulminante: “esse sistema mata” (EG 53). É o sistema de mercado, e a economia que trata apenas dos problemas monetários e financeiros. E, mais ainda, contra a culpar aos pobres por seus problemas: não tem cultura, não tem democracia, são safados, não querem nem sabem trabalhar, só querem ganhar de graça, ou são fanatizados pelas ideologias ou pelas religiões. Hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”. Esta economia mata. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável”. Já não se trata simplesmente do fenomeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados, mas resíduos, sobras” (53)

 

E a Igreja?

Alerta para o ‘mundanismo’ que entrou na Igreja como a contaminação do individualismo e egocentrismo. Como consequências: o desânimo dos agentes; a tentação de voltar a práticas hoje inúteis; o medo a falar com o mundo, a fuga do mundo, a acomodação e a busca de segurança; a tentação de refugiar-se, isolar-se e tornar-se uma igreja auto referenciada, preocupada na própria defesa ou nos próprios ‘privilégios’ e esquecer-se das ‘alegrias e esperanças, tristezas e angustias dos homens e mulheres de hoje’: dos pobres, dos migrantes, dos diferentes, das mulheres.

 

Conversão pastoral

“Espero que todas as comunidades se esforcem por usar os meios necessários para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão”. A proposta ‘programática’ de Francisco: ‘conversão pastoral’. “A Igreja “em saída” é uma Igreja com as portas abertas”. Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidadede se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida” (EG 49). O que foi dito em Aparecida: uma igreja em estado permanente de missão, ‘em saída’, sem medo a se machucar, ao encontro de Jesus que está nos pobres e necessitados, para acompanhar, partilhar sofrimentos e oferecer esperança no amor do Pai. Recupera verdades fundamentais, continuando o processo do Concilio:

A colegialidade, a corresponsabilidade, o serviço dos ministros ordenados à missão dos leigos/as, a valorização dos leigos e sua corresponsabilidade, o valor da mulher.

A Misericórdia: “é a maior de todas as virtudes é a maior das virtudes; na realidade, compete-lhe debruçar-se sobre os outros e, o que mais conta, remediar as misérias alheias”. Se um pároco, durante um ano litúrgico, fala dez vezes sobre a temperança e apenas duas ou três vezes sobre a caridade ou sobre a justiça, gera-se uma desproporção, acabando obscurecidas precisamente aquelas virtudes que deveriam estar mais presentes na pregação e na catequese. E o mesmo acontece quando se fala mais da lei que da graça, mais da Igreja que de Jesus Cristo, mais do Papa que da Palavra de Deus. (G 38). A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho. (114)

– A inculturação – encarnação nas culturas

– A ‘centralidade da gratuidade de Deus’. Sobretudo quando fala da homilia.

– Catequese ‘mistagógica’.

Inclusão social dos pobres; “O querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade” (177).

A CNBB, atenta à realidade dos tempos insiste na valorização das comunidades, renovação das paroquias, missão dos leigos e leigas na Igreja, de missionariedade da Igreja, as missões populares, da voz profética em favor dos povos indígenas, da defesa da dignidade da pessoa em quanto definição sexual, a defesa da família..

 

O Cuidado da Casa Comum

No dia 24 de Maio de 2015, o papa nos presenteia com a Exortação “Louvado Seja” sobre o cuidado da casa comum que é este universo entre ele a pessoa humana. “a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras” (LS 1). Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8, 22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra”.

O Papa insiste no “desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado” (13). A água potável e limpa constitui uma questão de primordial importância, porque é indispensável para a vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos. (28).

Nota-se o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas mas também ao caos urbano, aos problemas de transporte e à poluição visiva e acústica. Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam, gastando energia e água em excesso. Há bairros que, embora construídos recentemente, apresentam-se congestionados e desordenados, sem espaços verdes suficientes. Não é conveniente para os habitantes deste planeta viver cada vez mais submersos de cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contato físico com a natureza. (4)

“Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus. A história da própria amizade com Deus desenrola-se sempre num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal, e cada um de nós guarda na memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem. Quem cresceu no meio de montes, quem na infância se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava numa praça do seu bairro, quando volta a esses lugares sente-se chamado a recuperar a sua própria identidade” (84). Povos indígenas

O facto de insistir na afirmação de que o ser humano é imagem de Deus não deveria fazer-nos esquecer que cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua. Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus. A história da própria amizade com Deus desenrola-se sempre num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal, e cada um de nós guarda na memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem. Quem cresceu no meio de montes, quem na infância se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava numa praça do seu bairro, quando volta a esses lugares sente-se chamado a recuperar a sua própria identidade. (84).

Deus, que nos chama a uma generosa entrega e a oferecer-Lhe tudo, também nos dá as forças e a luz de que necessitamos para prosseguir. No coração deste mundo, permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos, porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado! (245).

 

41ª Assembleia do CIMI
Fátima de São Lourenço, MT, 19 a 23 de julho de 2015

Texto elaborado por:
dom Juventino Kestering e Pe. José Cobo Fernandes