FAMÍLIA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

 

Iniciamos este milênio com uma serie de novos desafios em todos os campos, especialmente no ambiente familiar em decorrência dos avanços tecnológicos e da globalização que provocam uma onda de modernidade tão intensa e acelerada que mal conseguimos acompanhar. Novos padrões de consumismo e  de  individualismo  vão sendo paulatinamente instituídos gerando uma época de incertezas, de inseguranças, de “liquidez” . É mais que uma época de mudanças, mas é uma mudança de época e nesse “turbilhão no qual tudo o que é sólido se desmancha no ar”, como dizia Marx, a família é um dos espaços mais atingidos.

A inversão de valores e a busca desenfreada pelo poder, o ter e o prazer muitas vezes tem afastado as pessoas da sua essência divina, e mesmo no interior dos lares  se percebe  muitas mudanças de comportamento. É uma época de muita informação, mas de pouco tempo para falarmos de nós mesmos, dos nossos sonhos, dos nossos prazeres e afetos. É uma época em que o mais valorizado é o que chega primeiro na ousadia, na ironia e muitas vezes na desqualificação do outro, o que tem intensificado os níveis de violência e desrespeito em relação à vida como um todo (contra crianças, afrodescendentes, pessoas com deficiência, mulheres, homossexuais, povos indígenas, mendigos, etc).  O individualismo instaurado tem gerado muita intolerância e desamor. Basta acompanhar os vídeos e as imagens que circulam nas redes sociais: diante de alguém acidentado, por exemplo, a preocupação é tirar fotos e gravar vídeos para postar na rede e não mais o sentimento de  ajudar o outro.

Nesse processo de inversão de valores, muitos conceitos também são reformulados numa rapidez tamanha que sequer há tempo para assimilar seus verdadeiros sentidos. Um exemplo disso ocorreu nesses últimos anos com a palavra gênero que até pouco tempo era utilizado, no Brasil, para designar a luta das mulheres por mais visibilidade e igualdade social diante dos altos índices de violência praticados contra mulheres e das representações sociais instituídas ao longo da história que teimavam em manter um silêncio e um discurso sobre as mulheres como “o outro”, nas palavras de Simone de Beauvoir e não como protagonistas da história. Contudo, com os novos estudos foi se instituindo outra visão sobre essa luta não mais apenas por igualdade social, mas em defesa do que inicialmente foi chamado de “identidade nômade” (SWAIN, 2000) e depois, identidade de gênero, ou seja, a identidade deve ser construída socialmente e não mais diretamente relacionada à constituição biológica de cada ser. Contudo, o que merece ser considerado é que em uma sociedade plural como no Brasil,  com uma população estimada em mais de cento e noventa milhões de brasileiros/as (IBGE, 2010), a maioria ainda  assume sua identidade conforme sua constituição biológica e tem valores e crenças pautados nessa concepção.

Na prática, acompanhamos cotidianamente que muitas pessoas já organizam suas vidas  conforme seus desejos, prazeres e afetos, fazem suas escolhas sexuais e tem seus direitos garantidos pela Constituição Federal. Nas escolas, ainda na década de 1990 foram instituídos os temas transversais e dentre eles, a  orientação sexual com o objetivo de  “transmitir informações e problematizar questões relacionadas à sexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela associados”. Lecionei durante trinta e quatro anos, vinte e sete destes na UFMT/ Campus de Rondonópolis e percebo que tanto  no ambiente  universitário quanto  nas escolas se tem lutado pelo respeito e a seriedade em questões especialmente relacionadas às opções de cada pessoa quanto aos seus valores, crenças, desejos e opções sexuais.

Tratar das questões de gênero enquanto luta por igualdade e justiça social é um aspecto  que tem sido trabalhado há cerca de  vinte em nossas escolas; desconsiderar que somos criados por Deus, mulheres e homens com papéis e lugares sociais diferenciados( dentre eles, a maternidade, negada por muitas teóricas da identidade de gênero) é outro aspecto que merece ser considerado.  Uma postura é perceber e respeitar a diversidade enquanto componente de uma sociedade plural e democrática; outra  é tentar impor, por meio da escola, questões que ferem princípios e valores especialmente relacionados à família, considerada no artigo 226 da Constituição federal como “base da sociedade, com especial proteção do Estado”.

Sou mãe e ainda acredito que a família é  espaço privilegiado de formação de valores, de sonhos, de afetos e de aprendizados e que o respeito à diversidade, a luta por justiça social e o exercício do amor fraterno são balizas na permanente construção de uma sociedade mais justa e mais democrática.

 

                        Laci Maria Araújo Alves (professora aposentada/UFMT)

                       Doutora em História  pela Universidade de Brasília