A festa de Pentecostes a partir de referências dos Padres da Igreja

pentecostes

Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)

Introdução
Pentecostes festeja a descida do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus Cristo no cumprimento da promessa do Pai do qual o Jesus Cristo o pediu para eles. O Espírito de Deus veio para permanecer junto do povo de Deus. Os Atos dos Apóstolos relatam Pentecostes para os discípulos e Pentecostes para os pagãos. O Espírito de Deus vem para unir as pessoas a Cristo Jesus, o seu projeto de amor para com a humanidade. Alguns padres da Igreja comentaram a festa significativa na vida eclesial dando ênfase à unidade estabelecida a partir do nova vida dentro da comunidade e no mundo. Vejamos a seguir alguns depoimentos desses autores que marcaram a Igreja primitiva, iluminando a doutrina sobre o Espírito Santo na Igreja e no mundo.

 

1. O acontecimento bíblico
Em Irineu de Lião(+ 200) (Adv. Haer. III,17) afirma: “Lucas nos diz que o Espírito, depois da ascensão do Senhor, desceu sobre os discípulos em Pentecostes, com o poder de introduzir na vida todos os povos e abrir-lhes um novo testamento. Eis por que, na harmonia de todas as línguas, cantavam hinos a Deus”.

A ação do Espírito não é limitada a uma determinada categoria de pessoas: Ele agiu nos profetas, em Jesus Cristo, nos evangelistas e continua a agir em todos aqueles e aquelas que dão a vida como nos mártires, na vida da Igreja como as virgens, os pastores, os bispos, e em todo o povo de Deus.

2. O Espírito Santo como unção e como penhor
Para Atanásio de Alexandria(+ 373), vem apresentado o Espírito Santo como sigilo. O sigilo tem a forma do Cristo e todos aqueles que são assinalados são participantes, assumem a mesma forma como diz o Apóstolo(cf. Gl 4,19). Assim toda a criação torna-se participante do Verbo no Espírito. “Não sabeis que sois o Templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós”?(l Cor 3,16).

Agostinho(+ 430) qualifica o Espírito Santo como penhor porque Ele nos levará ao conhecimento da verdade, das coisas que agora não vemos bem, mas na outra vida veremos tal como ele é. O Espírito Santo inspira nosso Senhor no anúncio do Reino de Deus; por meio dele refaz a imagem primitiva do ser humano, isto é, a imagem sua, do Verbo, com uma semelhança de santificação e assim reconstitui em nós o protótipo da imagem verdadeira do Pai. Já Cirilo de Alexandria(+ 444) diz que o verdadeiro modelo, aquele que exprime perfeitamente a semelhança do Pai, é o Filho, e a cópia genuína e natural do Filho, é o Espírito Santo.

3. A pregação evangélica dos apóstolos
Leão Magno(+461) comenta o dia de Pentecostes (At 2,1-4): “Foi nesse dia, pois que começou a ressoar a trombeta da pregação evangélica; desde então houve a chuva de carismas e rios de bênçãos a irrigarem o deserto e a terra árida porque a fim de renovar a face da terra ‘o Espírito de Deus sobre as águas pairava’(Gn 1,2) e para dissipar as antigas trevas coruscaram os fulgores de uma nova luz, quando pelo esplendor das línguas brilhantes foi concebido o verbo luminoso do Senhor, palavra de fogo, possuidora de eficácia para iluminar e de força para queimar, despertando o entendimento e consumindo o pecado”.

“Detestamos os arianos, que querem haja alguma distancia entre o Pai e o Filho. Detestamos também os macedonianos que, apesar de admitirem a igualdade entre o Pai e o Filho, julgam que o Espírito Santo é de natureza inferior…(…). Do Espírito Santo provém a invocação do Pai, as lágrimas dos penitentes, os gemidos dos suplicantes; ‘ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo’(1 Cor 12,3)”.

4. Hóspede do nosso coração
O Papa Gregório Magno(+605) tem presente Pentecostes, na qual dá uma alusão bastante significativa para toda a posteridade. Sobre a festa de Pentecostes afirma o Papa que hoje o Espírito Santo desceu com tom improviso sobre os discípulos, porque transformou os corações de carne através o seu amor e enquanto na parte exterior apareciam línguas de fogo(cf. At 2,1-13), na parte interior os corações tornaram-se ardentes porque acolhendo Deus que se manifestava em uma visão de fogo, inflamaram-se de um doce amor. De fato é amor o mesmo Espírito Santo.

Ele convida os fiéis a meditar sobre a grandeza da festa na qual se celebra a vinda de Deus como hóspede do nosso coração. Certamente limparíamos bem a casa ao esperar uma pessoa amiga. Muito mais preparamos a casa do nosso coração a Deus pela sua visita pelo seu Espírito Santo. Nós devemos observar a palavra de Cristo Jesus que diz viremos a Ele e faremos a morada junto dele(cf. Jo 14,23). Os apóstolos estavam no cenáculo, fechados com medo de anunciar Cristo por temor dos judeus que conheciam a própria língua. No entanto Pentecostes transformou os discípulos anunciando abertamente Cristo na própria língua e em outras línguas. O coração inflamado pelo Espírito Santo desprezou os tormentos do corpo que antes temiam e venceu a força do temor humano com o amor do Criador.

O Papa Gregório liga Pentecostes com a Encarnação e vice-versa. Se na natividade, Deus permanecendo na sua natureza divina, assumiu aquela humana, em Pentecostes os seres humanos acolheram Deus que desceu do alto. Se na natividade de Deus fez-se homem segundo a natureza, em Pentecostes os seres humanos tornaram-se divinos por adoção.

5. O Espírito Santo, o companheiro do ser humano
Teodoro Estudita, monge do século oitavo tem referências lindas a respeito da festa de Pentecostes. Ele diz, dirigindo-se à comunidade que o dia chegou com Pentecostes, à descida do Espírito Santo! Ele fala que o Senhor Jesus deveria ir porque se não fosse não viria sobre os discípulos o Consolador, mas quando iria, Ele o mandaria guiando os apóstolos à verdade toda inteira(cf. Jo 16,7-8.13). Que grande promessa e que grande honra. Jesus não prometeu de mandar-nos um anjo, ou um homem, mas o mesmo Espírito, da sua mesma natureza, a divina. O Filho de Deus sobe nos céus, após cumprir a obra do Pai e desce o Espírito Santo: não um outro Deus, mas um outro Consolador(cf. Jo 14,16), como está escrito. Ó inefável amor pelos seres humanos: Deus torna-se para nós consolação! Consola a alma aflita e angustiada, para que não desanime diante das dificuldades. Consola o coração atribulado pelo medo dos espíritos maus e lhes dá confiança. Consola a mente cheia de ódio para que haja a superação pela paz e pela consolação. Todos devemos ver o dom insuperável. No alto, intercede o Filho de Deus por cada um de nós como está escrito que Ele, estando à direita de Deus, intercede por nós(cf. Rm 8,34); em baixo, o Espírito Santo consola em muitos modos. Como podemos perceber os dons divinos? Temos um tal Consolador, o Espírito Santo que é por nós força invencível, grande defensor, Deus e aliado. Nós não devemos nos deixar intimidar pelos poderes adversos mas pensando que temos o Espírito como nosso companheiro e que nos ajuda a sustentar as lutas da ascese da confissão de fé, apressemo-nos ainda com coragem e firmeza, dia após dia.

6. Invocação do Espírito Santo
Simeão, o novo Teólogo o qual viveu no século X, possui textos diversos a respeito do Espírito Santo. Ele diz: Vem, luz verdadeira(cf. Jo 1,9), vem vida eterna, mistério escondido, tesouro sem nome, realidade inefável, vem alegria eterna, vem luz sem noite. Ele liga o Espírito Santo com a ressurreição dos mortos: Vem, ressurreição dos mortos, vem poder que sempre fazes e refazes e transformas segundo o teu querer. Ele pede que o Espírito Santo guarde a gente para viver o amor do Senhor. Ele é invocado sobre a alma da gente: vem meu respiro e minha vida, vem conforto da minha pobre alma. Vem, alegria, glória sem fim!

O novo Teólogo, Simeão fala em ação de graças porque o Espírito Santo é a luz sem escuridão, sol sem o ocaso. Nós não temos como esconder-nos porque Ele enche o universo pela sua glória. O Espírito Santo jamais escondeu-se de alguém. No entanto, nós nos escondemos dele e não queremos segui-lo. Planta a tua tenda dentro de nós, pede Simeão, voltando-se ao Espírito Santo. Permaneças junto de nós, ó Mestre interior.

Conclusão
Pentecostes festeja a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos como Maria Santíssima no Cenáculo. Para sempre ficou marcado o acontecimento na vida da Igreja, aonde os apóstolos tornaram-se testemunhas da vida, e ressurreição de Jesus Cristo indo para o mundo proclamando a Palavra de Deus e adesão ao Reino de Deus. As referências patrísticas colocam Pentecostes como o acontecimento primordial para a Igreja de Cristo sair do isolamento, tornando-se pública porque instrumento da graça de Deus junto às pessoas, povos e no mundo. Vem, ó Espírito Santo, renova-nos e renova toda a Igreja, o clero, as leigas e os leigos, as famílias, as pastorais e os movimentos, a sociedade e o mundo conforme a Vontade de Deus. Amém.

CNBB