Leia na íntegra a mensagem de Pe Gunther na 24ª Romaria dos Mártires

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Mensagem de Pe. Gunther Lendbrald

24ª Romaria dos Mártires da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga.

Rondonópolis – 22/03/2015

 

Hoje pela 24ª vez celebramos a Romaria dos Mártires.  Nstes dias encontrei um Senhor, conhecido, católico. Conversamos e convidei-o para participar da romaria dos mártires. Ele me disse: Mártires não. Eu não vou, nunca fui. Creio que tem mais gente que não gosta da romaria. Até tem resistência.

Por isso gostaria de explicar mais uma vez: Quem são os mártires? Os mártires são testemunhas (martys = testemunha) de Jesus Cristo e são vítimas como Jesus. São cristãos, homens e mulheres, que por causa de sua fé foram mortos, quase todos de uma maneira violenta e cruel.

Por que Romaria dos Mártires? Porque os mártires são exemplos para nós. Nós admiramos a vida dos mártires, eles são exemplos de fé, eles podem ajudar-nos, a nós, também vivermos a fé de uma maneira corajosa e destemida. Por isso queremos sempre de novo recordar a sua vida.

Gostaria falar (1) dos mártires da Igreja antiga, (2) dos mártires dos dias de hoje, (3) dos mártires da América Latina, (4) gostaria falar das vidas ceifadas hoje que, talvez não sejam mártires, mas são vítimas da violência.

 

  1. O primeiro mártir é Jesus Cristo. Vítima! Acusado de subversivo, crucificado porque incomodou alguns.

Em primeiro lugar gostaria de lembrar os mártires da Igreja antiga dos primeiros séculos.  Temos uma longa lista de nomes: Santo Estêvão, São Sebastião, São Lourenço, Santos Cosme e Damião, Santa Luzia, Santa Inês, Santa Águeda, Santa Cecília e Santa Anastásia e muitos outros. Todos eles sofreram o martírio porque se negaram reconhecer os Imperadores Romanos como Deuses e oferecer sacrifícios a eles. Eles afirmaram que o Deus verdadeiro é o Pai do céu, o Deus de Jesus Cristo e mais ninguém. Por isso foram acusados de serem subversivos, de não respeitar a ordem estabelecida, de não respeitar os chefes de estado. Alguns foram apedrejados como santo Estêvão, outros foram queimados vivos, como são Lourenço, outros foram jogados às feras feitos espetáculos no circo do Colosseu em Roma, outros foram degolados, flechados. As Comunidades Cristãs admiraram sua firmeza, sua coragem, seu exemplo, o testemunho de fé que deram. Perceberam que a graça de Deus estava operando neles. Por isso os mártires foram declarados santos. Por causa dos mártires e vendo o exemplo que deram, vendo a sua coragem e fortaleza, muitas pessoas se converteram e se tornaram cristãos. As primeiras Comunidades Cristãs, disseram: “A morte dos mártires é semente de novos cristãos”.

  1. Gostaria de lembrar – em segundo lugar – os mártires hoje, do nosso tempo. Sim também hoje estão sendo mortas pessoas, simplesmente porque são cristãos. Duas ou três semanas atrás pelo Estado Islâmico na Síria foram decapitados mais de 100 homens por serem cristãos. O mesmo acontece no norte de Nigéria, os fundamentalistas do movimento Boco Haram destruíram igrejas e mataram cristãos. Em alguns países de Estados Islâmicos como Paquistão, Iraque, Iran, Argélia, e no norte da Índia homens, mulheres, crianças por serem cristãos, estão sendo perseguidos e até executados. Nós que vivemos num país cristão, não podemos esquecer que todos eles são nossos irmãos e irmãs na fé e como Igreja nós devemos participar do seu sofrimento e rezar por eles, pedir que Deus lhes dê firmeza e fortaleza,
  1. Comemoramos – em terceiro lugar – os mártires da América Latina. D. Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, um pequeno país na América Central. No dia 24 de março de 1980, foi executado com tiros enquanto celebrava a santa missa, foi assassinado porque defendeu o seu povo contra as arbitrariedades do regime militar. Seu sangue se misturou no altar com o sangue de Cristo. No dia 28 de maio de 2015 o Papa Francisco declarará Dom Oscar Romero um santo da Igreja.

No nosso país muitas vidas foram ceifadas, principalmente por questões de justiça, por conflitos entre padrões e operários, conflitos de terra, conflitos entre grileiros, garimpeiros, madeireiros e os povos indígenas.

Quero lembrar alguns nomes: Santo Dias da Silva, ministro de eucaristia, líder do sindicato dos operários em São Paulo. Durante uma manifestação dos trabalhadores contra a repressão da ditadura militar, a polícia disparou nele e o matou. Margarida Alves, líder do sindicato dos trabalhadores rurais em Alagoas, por defender os posseiros foi assassinada. Nos últimos 20 anos 560 indígenas foram assassinados, principalmente os seus caciques.

Aqui em Mato Grosso quero lembrar o Pe. Rodolfo Lunkenbein, missionário salesiano foi assassinado em Merure junto com o índio Simão Cristino Bororo por causa de conflitos de terra.  Pe. João Bosco Burnier, padre Jesuita da Diocese de Diamantino, foi assassinado em Ribeirão Bonito, por ter socorrido duas mulheres presas e torturadas pela polícia na cadeia daquela cidade. Ir. Doroty Stang, irmã norteamericana, foi assassinada por fazendeiros em Anapu, Estado de Pará porque incomodou a madeireiros, fazendeiros e grileiros na luta pela reforma agrária.

 

  1. Gostaria – em quarto lugar – chamar atenção aos assassinatos que acontecem quase diariamente no nosso país, na nossa cidade, aqui em Rondonópolis. Gostaria de pedir a todos vocês aqui presentes que nunca esqueçamos os homens, as mulheres, principalmente os jovens e até crianças que foram assassinadas, vítimas da violência. A maioria deles são pessoas inocentes, são assassinados, por nada, por um celular, por um tênis, por um carro, por uma moto, por uma dívida com os traficantes de drogas. Olhando para as nossas comunidades, quantas pessoas morreram prematuramente, inocentes, matados por criminosos. Aqui em Rondonópolis. Por último assistimos a morte de Ney Santos, pai de família, Coordenador da Comunidade Santos Reis, da Paróquia Santa Cruz, homem integro, justo. Diante de tantos assassinos não é mais possível ficar calados e aguentar tudo isto apenas passivamente.

Vivemos numa situação de violência no nosso país e na nossa cidade. Cada pessoa morta deixa a sua família e os amigos com tristeza e até com revolta, e com o grito por justiça. É uma situação insuportável. É uma ameaça constante. Hoje é o meu vizinho, amanhã pode ser eu. Como cidadãos e como cristãos nós não podemos mais ficar calados diante de tamanha violência.

  1. Diante desta situação, deste estado de coisas eu me faço 2 perguntas, e as faço a vocês:

De onde vem esta violência? E Como vencer a violência?

  1. De onde vem toda esta violência?

No meu entender, a violência surge como resposta diante de uma situação de exclusão, de abandono, de injustiça. Quanto mais injustiça, tanto mais violência. E quais são as injustiças?

Certamente é uma pergunta complexa que não admite respostas superficiais. É necessário fazer uma análise profunda sobre esta questão. Será que os órgãos competentes já fizeram esta análise? Será que estão interessados? O povo brasileiro quer participar na construção da sua pátria. O povo clama por reformas. Reclama reforma agrária, reforma política, reforma partidária, reforma eleitoral, reforma tributária e muitas outras que nunca acontecem. Reclama a corrupção generalizada, em nosso país. De onde vem a violência? Uma pergunta que merece uma resposta. E todos nós estamos convocados a encontra-la.

A segunda pergunta que eu me faço.

  1. Como vencer a violência?

Tenho a impressão que a resposta no Brasil diante da violência é reprimi-la com a força policial.  A polícia mata os criminosos e os criminosos se organizam para matar os policiais. Estamos numa guerra. Quantos policiais, também inocentes, já perderam a sua vida!

Tenho a certeza de que nunca se pode acabar a violência com outra violência. Ao contrário violência gera mais violência. Repressão aumenta a pressão. É isto que presenciamos!

Como então vencer a violência? 

Brasil é um país de cristãos. O povo brasileiro é um povo religioso. Esta é uma graça que recebeu de Deus. O que falta neste momento no Brasil: Colocar Deus no centro da sociedade e não o dinheiro e não o poder.

Já os nossos antepassados cantaram:

Queremos Deus na sociedade, na lei, na escola, em nosso lar. Justiça e paz, fraternidade então no mundo hão de reinar.

Queremos Deus, todos queremos o sangue dar por suas leis. Cristãos leais, nós seguiremos, a Jesus Cristo, Rei dos reis.

 

A população toda, desde as autoridades, as elites até os mais lascados, todos devemos acolher Deus na nossa vida. Precisamos acolher Deus não apenas na nossa vida pessoal, mas também na vida pública, na sociedade.

Jesus Cristo disse, que é o caminho, mostrou o caminho a seguir. Nunca apoiou a violência! Quando foi preso e Pedro puxou a espada, Jesus lhe disse: Guarde a sua espada. Todos que pegam a espada pela espada perecerão! Pensas que não poderia pedir o meu Pai, que ele mande agora mesmo 12 legiões de anjos? Jesus nunca foi violento. Ao contrário

  • Jesus Cristo acolheu toda a pessoa com benevolência, estendeu a mão para todos, principalmente para os mais fracos, esquecidos, injustiçados. Devolveu-lhes a sua dignidade de pessoas e de filhos e filhas de Deus. Abriu-lhes a esperança, uma expectativa para o futuro de sua vida.
  • Eu penso comigo mesmo: Todos os criminosos nasceram um dia, criança inocente numa família. O que aconteceu na vida deles e o que houve, o que não deu certo, para que se tornassem bandidos? Quem os desviou? Como a maldade entrou no seu coração? Será que se tronaram bandidos, porque desde a infância experimentaram a violência, a injustiça? Talvez nunca tiveram um lar, talvez nunca tiveram um abraço do pai e da mãe, uma palavra de conforto, sempre jogados, crianças de rua, sem orientação, enfrentando a dureza da vida, sempre lutando para sobreviver. Como estão indo as nossas famílias? Uma das chaves como vencer a violência está na família!

Como vencer a violência?

Promover a paz é uma exigência de cada um de nós, mas não apenas de cada um pessoalmente, mas também é dever do estado que tem a tarefa de promover o bem comum, o bem para todos. Tem o dever de olhar para a família. Garantir a sua constituição. Privilegiar as famílias constituídas. Pagar um salário justo, garantir que cada criança tenha uma educação. Na escola deve haver ensino ético, a escola deve transmitir valores, não precisamos ter vergonha, mas com coragem e fé precisamos exigir aulas de religião nas escolas, ensinar os dez mandamentos da lei de Deus. Na escola as crianças devem aprender colocar Deus acima de tudo, respeitar os pais, não matar, não roubar, não mentir.

  • Para que isto aconteça o poder legislativo precisa aprovar leis, elaborar uma legislação a favor da família, da sua sobrevivência e segurança, da educação, da saúde, de uma remuneração justa.
  • O poder executivo deve pagar aos professores um salário justo, deve incluir na grade escolar ensino religioso ou pelo menos ensino ético.
  • O poder judiciário deve vigiar que as leis sejam executadas.
  • A pergunta é: por que isto não acontece? ou acontece tão pouco?

Quero terminar:

Peço neste momento a todas as vítimas, os que foram ceifados e perderam a sua vida pela violência, e que estão já no céu, junto com Deus, peço que intercedam por nós aqui na terra, para que cesse a violência e que venha a paz, fruto da justiça.

Quando o dia da paz renascer! Abaixo assinado!

Pe. Gunther Lendbrdl

Vigário Geral da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga