Missionários e missionárias do Conselho Indigenista Regional Mato Grosso (CIMI-MT), se reuniram dos dias 14 a 18 de agosto de 2023, no Distrito de São Lourenço de Fátima – (MT), para a 49° assembleia regional, cujo tema fora: “Os povos originários e o Estado brasileiro: perspectivas da política indigenista”. Tendo 45 pessoas presentes, missionários representantes de vários povos indígenas ligados ao CIMI-MT e alguns convidados.
No decurso do encontro, houve momentos de orações, trocas de experiencias missionárias, e análises da conjuntura nacional e local sobre a situação política, econômica, social e fundiária dos povos originários no Estado do Mato Grosso.
Nesta 49ª assembleia regional esteve como assessor o Missionário (CIMI) Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, historiador, militante da causa indígena e secretário executivo do CIMI. Eduardo falou sobre o Marco Temporal que está para ser votado no Senado nas próximas semanas. E reafirmou que a Constituição Federal reconhece os direitos dos povos indígenas. Como direitos originários das suas terras, e que a Constituição não estabelece nenhum Marco temporal, mas disse que o legislativo, ao se antecipar e colocar um projeto de lei redefinindo esses direitos na Constituição, causa um tumulto constitucional e, ao mesmo tempo, restringe esses direitos dos povos indígenas. O PL 490, agora no Senado, com o número 2903, de 2023 regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Tal PL propõe o Marco Temporal, ou seja, que os territórios indígenas só são reconhecidos como tradicionais a partir da Constituição de 1988. Mas ele também propõe a revogação da convenção de 69 com relação à consulta, e, no entanto, a Constituição Federal de 1988 propõe um novo rito de demarcação dos territórios indígenas a partir do legislativo, e não do executivo. Além disso propõe uma nova identidade e identificação, a partir de um novo critério étnico. E estabelece ainda que esses territórios podem ser explorados comercialmente.
Nota-se com isso uma realidade política no país em que as duas casas legislativas, tanto a Câmara Federal quanto o Senado, estão sendo manipuladas por uma bancada ruralista e do agronegócio que impede qualquer avanço político do país com relação aos direitos fundamentais, não só dos povos indígenas, mas dos pobres no Brasil, portanto, é uma situação que exige dos movimentos sociais, das populações, um processo de mobilização permanente.
No caso em questão, a votação do PL 2903 no Senado, requer essa mobilização da sociedade, dos povos indígenas e dos seus aliados, porque justamente a Casa que deveria proteger os direitos dessa população está devidamente articulada para que esses direitos sejam negados e não sejam efetivados e, ao mesmo tempo, que seja retirado da Constituição Federal.
Está análise foi discutida por dois dias, depois foram feitos encaminhamentos para o Estado a partir das demandas das comunidades indígenas. No decorrer da assembleia, Dom Neri, Bispo referencial do CIMI – MT, dirigiu umas palavras de motivação para os missionários presentes.
“A assembleia é sempre aquele momento forte de avaliar as atividades desenvolvidas ao longo do ano. A assembleia também quer aprofundar análises das conjunturas, tanto social como política, econômica cultural, quanto religiosa. Onde atua o CIMI, são mais de 40 etnias de povos indígenas no Estado do Mato Grosso. O CIMI representa o acompanhamento e a proximidade da Igreja no que diz respeito às questões indígenas. Todos nós sabemos que os povos indígenas são parte integrante do patrimônio histórico e cultural do nosso país. Mais do que isso. Eles são herdeiros do histórico que abraça toda a nossa nação. E vemos que, a cada dia, eles passam por dificuldades e provações por desrespeito aos seus direitos. A cada dia são apertados em seus territórios. A cada dia, vemos maiores dificuldades. Naquilo que diz respeito ao direito, à educação, à segurança, à saúde. E muitos deles também são dizimados diante de um sistema neoliberal que deseja sempre levar adiante aquele paradigma do produzir o máximo, consumir tudo e lucrar. E nem importa de onde vem esses lucros. Muitas vezes, são produtos de ilegalidades, corte ilegal da floresta, garimpos. Projetos grandes em termos de hidrelétricas e pchs. Grandes fortunas e propriedades, querem tomar conta daquilo que é de direito natural, dos povos indígenas, e o Marco temporal é um ponto de referência crítico de análise, para vermos a fragilidade a que ponto se encontram os povos originários. E a assembleia não pode deixar de tratar destes assuntos todos, além de ser uma assembleia de convivência, de partilha, além de ser uma assembleia eletiva como foi desta vez. A Assembleia também traz no contexto, momento celebrativo de espiritualidade, por isso o saldo de uma assembleia do CIMI em qualquer lugar, em qualquer Estado, mas aqui no Mato Grosso sempre é algo positivo em termos de compromisso, de responsabilização e de cuidado com os povos originários. Oxalá possa o CIMI continuar vigilante na proximidade dos povos originários para serem os agentes de pastoral do CIMI estes protagonistas, defensores e promotores, fazendo com que os povos originários tenham o seu protagonismo. Faço votos que o CIMI produza os frutos necessários quando se tratar de cuidar dos mais vulneráveis da Nação Brasileira, porque não dizer dos mais pobres, os povos indígenas e os povos indígenas isolados, mais vulneráveis ainda.”
Na assembleia houve ainda momentos de despedidas e homenagens à irmã Beth que completará no próximo dia 23 de agosto os seus 90 anos, sendo que esta será a sua última participação no ciclo, junto aos povos indígenas, ao povo Myky, onde ficou por 45 anos em missão, com os quais ela conviveu durante esses anos, e agora ela retorna para o Rio de Janeiro, a residir no convento das suas Irmãs da Congregação do Sagrado Coração.
Texto e fotos: Renan Dantas