23 Domingo do Tempo Comum

EFATÁ

É preciso estar sempre ciente que quem nos reúne para celebrar é o Espírito de Deus, que mora em nós que cremos. E congregado, como irmãos e irmãos, nos fortalecemos pela comunhão com esse Deus de amor, criador e promotor da vida. Jesus nos ensina a crer no Deus-Pai comprometido com a vida e a felicidade da pessoa humana, continuamente insistindo em renovar, em transformar, em recriar a pessoa, de modo a fazê-lo atingir a vida plena do Homem Novo.

            No Evangelho, Jesus, mostra que realiza a vontade de Deus abrindo os ouvidos e soltando a língua de um surdo-mudo. Revelando um Deus que não Se conforma quando o homem se fecha no egoísmo e na auto-suficiência, rejeitando o amor, a partilha, a comunhão. De antemão já podemos perceber que o gesto de Jesus conduz ao encontro, ajuda-nos a sair do nosso isolamento e a estabelecer laços familiares com Deus e com todos os irmãos e irmãos, sem exceção.

             Podemos ter certeza, mais uma vez, que o Deus em quem acreditamos é um Deus comprometido conosco, Este Deus que abre os ouvidos dos surdos e solta a língua dos mudos é um Deus cheio de amor, que não abandona os homens à sua sorte nem os deixa adormecer em esquemas de comodismo e de instalação; mas, a cada instante, vem ao seu encontro, desafia-os a ir mais além, convida-os a atingir a plenitude das suas possibilidades e das suas potencialidades. Quer dizer, na estrada da vida, não caminhamos sozinhos, mas ao longo de todo o nosso percurso pela história, o nosso Deus vai ao nosso lado, apontando-nos, com amor, os caminhos que nos conduzem à felicidade e à vida verdadeira.

            Este surdo-mudo hoje, somos todos nós que muitas vezes nos sentimos incapazes de escutar a Palavra de Deus, vivendo fechados aos projetos e aos desafios de Deus, ocupados em construir a sua vida de acordo com esquemas de egoísmo, ou a ignorá-lo, surdo aos seus desafios e às suas indicações.

            Podemos nos perguntar: O que é que as propostas de Deus significam para mim? Dou ouvidos aos apelos e desafios de Deus, ou aos valores e propostas que o mundo me apresenta? Quando tenho que fazer opções, o que é que conta: as propostas de Deus ou as propostas do mundo?

            O surdo-mudo pode representar também aqueles que não se preocupam em comunicar, em partilhar a vida, em dialogar, em deixar-se interpelar pelos outros. Define a atitude de quem não precisa dos irmãos para nada, de quem vive instalado nas suas certezas e nos seus preconceitos, convencido de que é dono absoluto da verdade. Define a atitude daquele que não tem tempo nem disponibilidade para o irmão; define a atitude de quem não é tolerante, de quem não consegue compreender os erros e as falhas dos outros e não sabe perdoar. Uma vida de “surdez” é uma vida vazia, estéril, triste, egoísta, fechada, sem amor. Não é nesse caminho que encontramos a nossa realização e a nossa felicidade.

            O surdo-mudo representa ainda aqueles que se fecham no egoísmo e no comodismo, indiferentes aos apelos do mundo e dos irmãos. Somos surdos quando escutamos os gritos dos injustiçados e lavamos as nossas mãos; somos surdos quando toleramos estruturas que geram injustiça, miséria, sofrimento e morte; somos surdos quando pactuamos com valores que tornam o homem mais escravo e mais dependente; somos surdos quando encolhemos os ombros, indiferentes, face à guerra, à fome, à injustiça, à doença;

            somos surdos quando temos vergonha de testemunhar os valores em que acreditamos; somos surdos quando nos demitimos das nossas responsabilidades e deixamos que sejam os outros a comprometer-se e a arriscar; somos surdos quando nos resignamos a vegetar no nosso sofá cómodo, sem nos empenharmos na construção de um mundo novo.

            E esse muitas vezes somos nós mesmos. Que até buscamos o sacramento, até vamos a alguma missa, até temos um ministério, até falamos bonito, mas não ouvimos com os ouvidos de Deus e nem enxergamos com os olhos Deus. 

            A missão de Cristo consistiu precisamente em abrir os olhos aos cegos e desatar a língua dos mudos. Ele veio abrir-nos à relação com Deus, ao amor dos irmãos, ao compromisso com o mundo.

            É preciso ter o encontro com Cristo, que na leitura proferida hoje da carta de Tiago sugere a cada um de nós dizendo que Jesus não fez qualquer acepção de pessoas, mas a todos acolheu e a todos amou igualmente, mesmo os pobres, os “últimos”, os marginalizados, os pecadores, os doentes.

            Quem aderiu a Jesus Cristo e procura, com coerência, segui-lo, tem de assumir os mesmos valores; por isso, não pode marginalizar ninguém ou aceitar qualquer sistema que crie discriminação.

            Na leitura, também proferida hoje do profeta Isaias a mesma mensagem ouvimos. O Povo de Deus, exilado na Babilónia, está paralisado pelo desespero. Mostra-se abatido e incapaz de sair, por si só, da sua triste situação. Não tem perspectivas de futuro e não vê qualquer razão para ter esperança. Para eles o profeta dirige a palavra na intenção de levá-los ao encontro com o Deus libertador e salvador na esperança de animar a buscar a liberdade, a alegria, a coragem para enfrentar o caminho, a vida em abundância.

            Nas imagens dos cegos que voltam a contemplar a luz, dos surdos que voltam a ouvir, dos coxos que saltarão como veados e dos mudos a cantar com alegria, o profeta representa essa vida nova, excessiva, abundante, transformadora.

            Hoje esta possibilidade se encontra em Jesus Cristo. É ele que anima nossas forças para vivermos sendo promotores de vida, ouvintes e praticantes de sua palavra.

Pe. Mauro Primo Vieira

Vigário da Paróquia São José Operário