Eucaristia fonte de Vida

Corpus Christ 

No dia 20 de junho de 2019 a Igreja Católica celebra a “Festa do Corpo de Cristo”. Tem sua origem em 1264 quando o papa Urbano IV oficializou esta celebração para toda a Igreja. É uma manifestação pública da fé, pois os cristãos católicos acreditam que Jesus Cristo está verdadeiramente presente na Hóstia Sagrada. O sentido da procissão pelas ruas da cidade, com enfeites, bandeiras, cantos, flores é uma manifestação que brota da fé e da certeza de que Jesus caminha conosco. Ele que está presente em todas as realidades da vida.

No Antigo Testamento, o povo Hebreu trazia as ofertas e prestavam sacrifícios a Deus como sinal de gratidão, de súplica e de reparação pelos males e infidelidades cometidos. Estas celebrações aconteciam num clima de refeição, de oferta dos frutos da terra e de louvor pela benção de Deus. Celebração que expressava a alegria, a partilha e o compromisso do povo para com Deus.

No Evangelho de Lucas (9,11-17) aprendemos o ensino de Jesus sobre o pão, a partilha, o alimento e estar saciado. Disse Jesus “Logo que a multidão soube, o foi seguindo; Jesus recebeu-os e falava-lhes do Reino de Deus. Restabelecia também a saúde dos doentes. Ora, o dia começava a declinar e os Doze foram dizer-lhe: Despede as turbas, para que vão pelas aldeias e sítios da vizinhança e procurem alimento e hospedagem, porque aqui estamos num lugar deserto. Jesus replicou-lhes: Dai-lhes vós mesmos de comer. Retrucaram eles: Não temos mais do que cinco pães e dois peixes, a menos que nós mesmos vamos e compremos mantimentos para todo este povo, pois eram quase cinco mil homens. Jesus disse aos discípulos: Mandai-os sentar, divididos em grupos de cinquenta. Assim o fizeram e todos se assentaram. Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e deu-os a seus discípulos, para que os servissem ao povo. E todos comeram e ficaram fartos. Do que sobrou recolheram ainda doze cestos de pedaços”.

O evangelho relata em primeiro lugar a presença de Jesus no meio do povo. Ele estava próximo do povo em especial dos sofridos, esquecidos, humilhados pela sociedade. O Papa Francisco ensina que “os bispos, padres, lideranças devem se aproximar do povo e o exercício das virtudes de paciência e misericórdia. Homens que amem a pobreza e que não tenham psicologia de príncipes. O lugar onde o bispo pode estar com o seu povo é triplo: ou à frente para indicar o caminho, ou no meio para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas, ou então atrás para evitar que alguém se desgarre“. Essa foi exatamente a atitude de Jesus. Antes de fazer um milagre, de multiplicar pães ele estava com os pés no chão, junto com o povo, na escuta, no olhar, na contemplação, na solidariedade.

A segunda parte do evangelho retoma o tema da fome, do alimento, da partilha. Se os cinco pães e os dois peixes tivesses sido guardados no celeiro do egoísmo, do coração fechado, do quem vê o alimento como forma de lucro ou privilégio de alguns, o milagre não teria acontecido. Mas houve partilha e onde há partilha tudo se multiplica. Algumas palavras merecem ser relembradas. “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Muitas soluções não podem só depender de Deus. Depende também de nós, do nosso esforço, trabalho, justiça. “Mandai-os sentar e se organizarem em grupos”. Sentar é expressão de proximidade, de amizade. Sentar ao redor da mesa como irmãos, como amigos, como fraternos. “Abençoou, partiu e deu aos discípulos para que servissem o povo”. Jesus fez sua parte, mas convidou aos discípulos para a distribuição. “E todo comeram e ficaram saciados”. Lindo, maravilhoso quando as crianças, doentes, idosos, famílias estão saciadas, alegres, felizes. Pois não existe dor mais dolorida do que a fome.Do que sobrou recolheram ainda doze cestos de pedaços”. Nada pode se perder. Conheço muitas famílias que não jogam nenhum tipo de alimento no lixo. O que sobra ou vai para os pobres ou vai para a alegria dos pássaros e animais. Comida não vai para o lixo. Lugar de comida é na mesa. Gosto muito da canção de Pe. Zezinho:

Por um pedaço de pão e por um pouco de vinho

Eu já vi mais de um irmão se desviar do caminho

Por um pedaço de pão e por um pouco de vinho

Eu também vi muita gente encontrar novamente o caminho do céu

Eu também vi muita gente voltar novamente ao convívio de Deus

 

Por um pedaço de pão e um pouquinho de vinho

Deus se tornou refeição e se fez o caminho

Por um pedaço de pão, por um pedaço de pão (Bis)

 

Por não ter vinho nem pão, por lhe faltar a comida

Eu já vi mais de um irmão desiludido da vida

E por não dar do seu pão, e por não dar do seu vinho

Vi quem dizia ser crente, perder de repente os valores morais

Vi que o caminho da paz só se faz com justiça e direitos iguais

 

Por um pedaço de pão e por um pouco de vinho

Eu já vi mais de um irmão tornar-se um homem mesquinho

Por um pedaço de pão e por um pouco de vinho

Vejo as nações em conflito e este mundo maldito por não partilhar

Vejo metade dos homens morrendo de fome, sem Deus e sem lar.

 

Sábias e profundas palavras de Pe. Zezinho. Há uma oposição radical entre Eucaristia e fome; Eucaristia e injustiça, exploração, concentração de bens, egoísmo, coração fechado para a dor, o grito e o gemido do irmão. Todas as vezes que se celebra a Eucaristia proclama-se que o projeto de Deus é vida e partilha. Participar da Eucaristia é assumir o compromisso de vida, de justiça, de solidariedade. É o grito permanente de que a fome machuca, destrói a vida, corrompe a dignidade da pessoa humana.

Lucas (22,7-23) relata a instituição da eucaristia por ocasião da última ceia. “Tomai e comei, isto é o meu Corpo. Tomai e bebei isto é o meu Sangue… Fazei isto em memória de mim”. É a certeza da presença de Jesus na hóstia sagrada como alimento, sustento, remédio e vida. A Eucaristia merece reverencia, dignidade, solenidade, aclamação e adoração. A Eucaristia é comum-união, pão partilhado que aponta para a fraternidade, para a partilha, a solidariedade e a justiça. O Concílio Vaticano II recomendou a recepção da Eucaristia de pé e de mãos abertas exatamente para evidenciar este lado da eucaristia. Assim a Eucaristia torna-se sustento diário para uma vida fraterna e solidária.

O Catecismo da Igreja Católica ensina sobre a eucaristia: (n.1322). “A sagrada Eucaristia completa a iniciação cristã. Aqueles que foram elevados à dignidade do sacerdócio real pelo Baptismo e configurados mais profundamente com Cristo pela Confirmação, esses, por meio da Eucaristia, participam, com toda a comunidade, no próprio sacrifício do Senhor”. Daí a importância da catequese de iniciação à vida cristã, que através dos sacramentos do batismo, crisma e eucaristia introduz o cristão nos mistérios de Cristo. E continua: “O nosso Salvador instituiu na última ceia, na noite em que foi entregue, o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue, para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até voltar, o sacrifício da cruz, confiando à Igreja o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da glória futura”.

Rezemos com a Igreja: Senhor Jesus Cristo, neste admirável sacramento nos deixastes o memorial da vossa paixão. Dai-nos venerar com tão grande amor o mistério do vosso Corpo e do vosso Sangue, que possamos colher continuamente os frutos da vossa redenção. Vós, que sois Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo.

Nesta 5ª feira, na Festa do Corpo de Cristo, os cristãos católicos são convidados a participarem da Eucaristia e da procissão pública pelas ruas da cidade como manifestação do compromisso com Cristo e a busca de um mundo melhor, de estruturas mais justas, de vida e dignidade para todos.

 

Dom Juventino Kestering

Bispo de Rondonópolis-Guiratinga