A MISERICÓRDIA QUE RECRIA

Estamos no 4º domingo da quaresma, tempo de preparação para a Páscoa, tempo de Campanha da Fraternidade ilumina os gestos fundamentais desse tempo litúrgico: a oração, o jejum e a esmola. Neste ano, o tema da Campanha é Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema “Serás libertado pelo direito e pela Justiça” (Is 1,27).

Estamos no tempo de conversão e de retomada da vida. Papa Francisco ensina “precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado”.

Somos convidados a mergulhar em Lc 15, 1-32, não é para arrancar pecados, reavivar escrúpulos, duvidar da bondade de Deus. Mergulho para experienciar na intimidade da vida, a misericórdia, a acolhida, a bondade e o amor de Deus.

A experiência da misericórdia atinge o âmago da vida e norteia a espiritualidade. Quem ainda não sentiu a misericórdia, o amor, o perdão dos irmãos e de Deus, tem dificuldade de cultivar uma harmonia interior. Essa experiência não é acidental na vida, mas é raiz fundante.

Deus tem compaixão de nós. Vai ao nosso encontro (Lc 15,1-7), procura com carinho e coloca nos ombros, restitui ao redil, à comunidade, à vida, alegra-se, deixa a ovelha bem à vontade nas verdes pastagens. Sinta-se hoje carregado nos ombros de Deus. Deus vai ao nosso encontro como a mulher (Lc 15,8-10) que acende lâmpada, varre, busca diligentemente. Encontra a moeda e alegra-se. Sinta-se Deus à sua procura. Faça a experiência do aconchego de Deus, mesmo nos momentos da sensação de estar perdido, sem horizonte, sem ânimo.

A atenção amorosa de Deus não é oferecida porque somos bons, mas porque o Pai é bom e “não quer que se perca nem um dos seus pequeninos”. O relato mais existencial está em Lc 15,11-32, a Parábola do Pai da Misericórdia:

 O Filho mais novo:

Inquieto, em busca de novas experiências, insatisfeito com o estabelecido, sonha com outra vida. Pede a herança. Sai. Afasta-se do Pai, abandona a casa, busca felicidade onde ela não se encontra, faz a experiência do nada, do abandono, da inutilidade. Troca o lugar onde era amado pela companhia de gente que se aproveita dele e só ficam pertos enquanto o dinheiro não acaba. Ele é de fato o retrato de muitas trocas insensatas que fizemos pela vida. E o jovem foi para o fundo do poço, na lama. Mas… o fundo do poço é um bom lugar para pensar na vida e tomar consciência da miséria. “Caiu em si” é o primeiro passo. Também para nós… A lembrança de um amor o faz tomar a decisão de voltar. Ele tem lembranças de amor. Ele foi criado pelo pai e mãe, lembra ternuras antigas, atenções e cuidados que o Pai lhe dedicou. Lembra o ombro, abraço, beijo, o colo. E volta. Passos lentos, pensativo. Preparou palavras para dizer na hora da chegada. Para querer mudar é preciso ver no horizonte alguma esperança de amor, de possibilidade de recuperar o lugar que tinha antes do erro. Deus sempre nos abre esta esperança.

“Abandonar o Pai e rejeitar o projeto de vida que ele nos propõe é insensato. Nenhuma riqueza o substitui. Longe de Deus, longe do projeto do Reino, longe da fraternidade e solidariedade, tudo se gasta sem construir algo duradouro que nos dê paz e alegria e que contribua para a construção do Reino de Deus”.

Em que me identifico com o filho mais novo? O que este personagem tem a ver com a história de minha vida? Reze, medite, alegre-se com as suas decisões e voltas. Sorria para você mesmo!

 O Pai da misericórdia.

Um filho sai de casa… Os sentimentos do coração. “Quem está esperando, vê mais longe”. Para ver longe tem que estar com o olhar na estrada, cheio de esperança, aguardando dia após dia aquela volta. É um pai que não se conforma com a perda do filho “estava ainda longe quando o pai o viu, e movido de com-paixão, correu-lhe ao en-contro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou”. O filho então…, “mas o pai falou aos servos: Trazei veste, anel, calçado, vamos fazer uma festa”. “Este meu filho estava morto, e re-viveu, tinha-se perdido e foi achado”. Imagine Deus olhando uma estrada, esperando ansiosamente a nos ver caminhando para ele… O pai ouve em silêncio a confissão do filho. Não faz nenhum comentário. Os sentimentos do pai são claros no gesto de acolhimento. Mas o filho quer confessar. Ao confessar pecados não estamos falando dos pecados, estamos revelando os nossos desejos de voltar para a casa do Pai.

Na atitude do Pai não há sinais de rejeição, repreensão, condenação, mas “acolhida, entrega, confiança, amor, ternura, compaixão e perdão. Pois o filho foi re-encontrado. O Pai oferta ao filho o que de mais sagrado possui: Abraço, ombro e colo. Que experiência tenho de ser carregado no colo de Deus, de sentir o ombro de Deus que me acolhe, de ser abraçado por Deus! E no meu cotidiano: o ombro, o colo, o abraço!
O Pai sai para ir ao encontro do filho. O Pai acolhe o silêncio e a confissão do filho. O amor que perdoa devolve a dignidade de filho. E manda fazer festa. Convite à alegria partilhada. Festa partilhada.

 O filho mais velho.

Bom, sem crises, sem experiências de conversão. Fechou-se na fidelidade ao Pai, ao trabalho e isto não o fez crescer. Fechou-se na auto suficiência. Quando o filho mais novo voltou, ficou “ressentido e fechado no seu egoísmo”. No fundo não queria que o filho mais novo voltassepois assim todos os bens seriam dele, sem precisar repartir. Estava perdido no ressentimento, sem alegria, absorvido nos afazeres. Censura o Pai porque acolheu o filho. Usufrui da sua fidelidade para o benefício próprio. “Serve, trabalha, luta, mas não ama”. E a minha história o que tem de semelhante. Que atitudes caracterizam o filho mais velho em minha vida? E quando alguém se reconstrói, se reintegra na comunidade, é novamente acolhido, como me sinto?

Com o filho mais novo, o Pai sai e vai ao encontro. O Pai acolhe o filho e o filho deixa-se ser acolhido, abraçado e reintegrado na família. Com o filho mais velho, o pai sai, vai ao encontro e este nega-se a entrar e fazer a festa partilhada. Coração fechado não faz festa, não explode de alegria. Prefere ficar no azedume da vida, afogado no trabalho, nas suas próprias convicções egoístas. Quando tem festa fica calado num canto. Por que, às vezes, fico triste quando os outros estão alegres? A recuperação do irmão mais novo é uma ameaça ao seu desejo egoísta de ter o Pai e os bens só para si. Cantos, danças e alegria por causa do outro são fonte de amargura para o coração fechado. “Se o irmão decaído está lá dentro, ele o justo, o certo, fica fora”.

No filho mais velho não há abertura para a gratuidade, a comunhão, a festa da reconciliação. O Pai esperou o dia para dar uma festa aos filhos. Esperou a volta do mais novo que tinha saído. O filho mais velho queria uma festa só para ele, não junto com o irmão. É o ressentimento de quem se julga melhor. O pecado está em achar que os outros devem me premiar por que “sou bom” e ficar com o coração endurecido diante dos que erram e nós nos consideramos corretos. O pai ama os dois filhos com o mesmo amor. A atitude do Pai é a mesma com o filho mais novo e com o filho mais velho. Ele não faz distinção. É Pai de todos.

“O amor não é como uma conta bancária em que, havendo divisão, a parte de cada um fica menor. Amor tende a crescer quando é partilhado”. “Não basta tolerar o irmão, é preciso amá-lo, alegrar-se porque ele existe, ficar feliz quando ele deixa de ser infeliz”.

Que o Sagrado Coração de Jesus, patrono da Diocese, derrame abundantes graças e bênçãos sobre cada um de nós. Saúde aos doentes, alegria aos tristes, esperança aos desanimados.

 

Dom Juventino Kestering
Bispo diocesano.