VER COM O CORAÇÃO

Estamos no 30º domingo do tempo comum. A cor litúrgica dos paramentos e do espaço celebrativo é verde, sinal de vida, de esperança, de renascimento.

A Palavra de Deus (Mc 10,46-52) narra um cego, Bartimeu, sentado à beira do caminho pedindo esmolas. “sentado à beira do caminho”. Ele não estava no caminho, na família, na sociedade e na comunidade, mas sim “à beira”, excluído, esquecido, sozinho. Única defesa era o grito. Ele escuta um tumulto de gente. Pergunta o que está acontecendo! Alguns o informam que era Jesus que estava passando. O cego sentado à beira do caminho e Jesus no caminho. Ali acontece uma troca de olhares, de atenção, de preocupação entre quem passa no caminho e quem está à beira do caminho. Essa é realidade dura de milhares de pessoas, homens, mulheres, jovens e crianças que estão à beira do caminho: família esfacelada, desemprego, dominado pelo vício, pobres, excluídos pelo sistema econômico, falta de fé, de Deus, de religião, de sentido para a vida. E muita gente passa pelo caminho, passa ao lado e não percebe ou não quer perceber o grito dos que estão “à beira do caminho”.  Jesus disse: “Ide. Vão, não fiquem parados”. O Papa Francisco insiste na “igreja de saída, que vai às periferias, as sofridos, aos abandonados, aos que estão à beira do caminho”. Na minha, sua, nossa comunidade, família, rua, bairro, município quem são os que estão à beira do caminho?

A cegueira é realidade que acompanha a vida da humanidade. Desde a antiguidade há relatos sobre a causa, o modo de cuidar, a presença do cego na família e na sociedade. Eram vistos como castigo, peso para a sociedade, descartável e condenado ao esquecimento. A passagem da visão fatalista e condenatória para a aceitação e integração na sociedade foi e é um longo e demorado processo de integração.

Mesmo à beira do caminho Bartimeu gritou ouviu falar de Jesus. Ao saber que era Jesus, adquire ânimo, força e começa a gritar: “Jesus Filho de Davi tem piedade de mim”. Jesus para. Retorno e se faz próximo daquele que estava à beira do caminho. Disse aos discípulos: “Chamai-o”. Jesus retirou Bartimeu da beira do caminho e o colocou no caminho, ao seu lado e estabelece um diálogo: “O que queres que eu te faça”. ‘Que eu vejo’ disse o cego. Diante desta expressão pública de fé, Jesus o cura de sua cegueira. Recuperado ele seguia Jesus.

Gestos lindos de Jesus. Para de caminhar, acolhe o grito de quem está ao lado do caminho, chama para o caminho, pergunta, escuta as dores, os sofrimentos, as queixas, as lágrimas, a solidão, o abandono, a tristeza, humilhação, os xingamentos, as amarguras do coração, as decepções da vida, do casamento, do amor, da miséria, a exclusão da sociedade. Penso nos povos indígenas, nos quilombolas, nos ribeirinhos, nos amontoados das favelas, nos moradores de rua, nos desempregados, nas crianças sem rumo e nem horizonte, nos adolescentes nas drogas, nos corações cheio de orgulho, de vaidade, de adultério, de rancor…

É provável que o cego Bartimeu já tivesse recebido alguma informação sobre Jesus, sua missão e ensino. Por isso ao perceber que Jesus passava gritou: “Jesus Filho de Davi” e acreditou poderia ser ajudado por Jesus; reconheceu a sua situação e sem medo e vergonha tomou a decisão de gritar socorro a Jesus.

Um cego sentado à beira do caminho sem horizonte e nem perspectiva de vida. Na realidade de hoje muita gente está sentada à beira do caminho, acomodados e fechados dentro de seu egoísmo. Outros, sentados porque enfrentam o desafio da cegueira, do desemprego, da família esfacelada, do alcoolismo, da prostituição, das drogas e do consumismo. A cegueira é desafio para cada um de nós que vê, mas faz de conta que não enxerga. Essa é a pior cegueira. A cegueira de quem está ocupado em seus afazeres, o dia todo sozinho diante do celular, do computador, com fone no ouvido, pensando somente em si, no consumo e esquecendo dos outros. Apesar de ver, vive como se não visse nada, pois o egoísmo o fechou em seu coração. Cego não é aquele que não vê, mas aquele que não quer ver. Quantos passam a vida sentados à beira do caminho, braços cruzados, olhos perdidos no vazio e na escuridão, acomodados, desencorajados, desesperançados, descrentes de Deus, da vida, das pessoas… cego para o amor, para o perdão, para a misericórdia, para a disponibilidade, para o serviço aos irmãos, para a partilha; para a humildade, para o desprendimento. “É Jesus que hoje passa na rua de seu coração, de sua família, de sua comunidade. Não deixe Jesus passar, sem voltar o olhar para ele”.A cura de Bartimeu é um grande inspirador para nosso olhar sobre a iniciação à vida cristã. Nela, testemunhamos um grupo que caminhava com Jesus, mas era incapaz de enxergar, verdadeiros cegos apresentados no Evangelho de Marcos. Não há como ser discípulo sem seguir a Jesus. Para ganhar uma nova visão, é preciso fazer o processo de Bartimeu, verdadeiro exemplo de discípulo, entregando nossa vida ao Mestre, para receber dele sua própria vida, dispensada a nós por meio da Igreja. Hoje, como Igreja, também queremos colocar-nos a serviço para que o mundo possa fazer caminho, como Bartimeu. Temos verdadeira necessidade de enxergar o projeto do Reino de Deus mergulhando no Evangelho. Queremos purificar nossa visão sobre o Cristo, deixando de lado uma visão “triunfalista” da fé ou os desejos de uma prosperidade que venha em retribuição a modelos de pureza irreais. Necessitamos, em nosso tempo, desse itinerário para o encontro com o Deus de amor, que fala conosco, vem ao nosso encontro e nos oferece um novo olhar para o caminho, que integra o sofrimento, dando sempre a perspectiva de viver à luz da ressurreição “Fabizio Zandonadi).

São Paulo afirma (Heb 5,1-6) que a nossa vocação é ter compaixão dos que estão na ignorância, dos que sofrem, vivem tristes e abandonados. Somente com os olhos do coração é que podemos acolher o projeto de Deus e  perceber a missão como cristãos na família e na sociedade. E o profeta Jeremias nos anima: “Eles chegarão entre lágrimas e eu os receberei entre preces; eu os conduzirei por torrentes d’água, por um caminho reto onde não tropeçarão, pois tornei-me um pai para Israel, e Efraim é o meu primogênito” (Jer 31,9).

Rezemos com a Igreja: Deus eterno e todo-poderoso, aumentai em nós a fé, a esperança, a caridade e dai-nos amar o que ordenais para conseguirmos o que prometeis. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Que o Sagrado Coração de Jesus, patrono da Diocese, derrame abundantes graças e bênçãos sobre cada um de nós. Saúde aos doentes, alegria aos tristes, esperança aos desanimados.

Dom Juventino Kestering.

Bispo diocesano