Relatório da visita da equipe do CIMI-MT à aldeia bororo.

PERIGARA, de 30 de julho a 01 de agosto de 2018.

   No dia 30 de julho deste ano, sabendo que as águas do Pantanal já tinham baixado há tempo, realizamos a segunda viagem à aldeia bororo do Perigara com apoio do Bispo Dom Juventino Kastering e da Missão Salesiana. A Silvia Maria Pinheiro e eu, Mestre Mario Bordignon, saímos cedo rumo à aldeia Côrrego Grande na terra indígena Teresa Cristina. Lá convidamos o Bororo Abrão Amema a ir conosco para mostrar o caminho. Sobrando uma vaga no carro foi conosco a jovem Maria Edineia Padaro Togiwudo. Coforme combinado anteriormente com o bispo devia ir conosco o Pe. Lauri Rodrigues da Silva de Jucimeira que a partir deste ano foi encarregado pelo bispo de acompanhar pastoralmente os Bororo de Teresa Cristina e do Perigara. Não foi devendo preparar a festa do padroeiro da paróquia. Também devia ir o seminarista Erivelton Almeida Postil. Não foi sendo próxima a sua ordenação diaconal. Assim mesmo fomos nós chegando no fim do dia depois de seis horas de viagem percorrendo cerca de 250 Km. de estradas ruins na sua maioria e cheias de poeira. Fomos muito bem recebidos pela tradicional hospitalidade do povo pantaneiro e dos Bororo. Após o jantar e longas conversas combinamos a programação do dia seguinte e fomos deitar após curtir no grande silêncio da noite um esplêndido luar se refletindo nas águas calmas do rio São Lourenço. Na manhã seguinte, esperados pelo cacique Benedito Tuagebou, fomos tomar café preparado pela esposa Olinda Marques, filhas e sobrinhas. Colocadas em dia as conversas costumeiras visitamos as casas e tomamos os nomes das crianças a serem batizadas. A aldeia tem 98 moradores, na sua grande maioria são crianças e jovens. Apesar disso este número de habitantes não aumenta porque sempre há famílias que mudam para outras aldeias bororo. Paramos mais tempo na numerosa família dos anciões Flavinho Kogue e Maria Terezinha Bataru Egiri. A conversa caiu também sobre os tempos do SPI, Serviço de Proteção aos Índios que começou bem mas antes de ser extinto em 1967 cometeu muitas atrocidades com o povo Bororo. Encontramos também algum professor e o diretor da escola Jucinei Bokodori. Entregamos para ele uma caixa de material escolar que ele nos pediu tempo atrás. Ele agradeceu e de muito bom gosto nos cedeu uma sala de escola e banheiros que mandou limpar com antecedência sendo os alunos de férias. Nos doou também uns quilos de lambaris. A escola é um prédio bastante novo mas precisando de uma boa manutenção. O diretor nos relatou que após denúncia feita pelo Procurador da República a Secretaria de Educação de Cuiabá veio no mês de maio e fez um relatório e ficou por isso mesmo. Na nossa primeira viagem à capital teremos que reiterar o pedido dos Bororo. À tarde nos reunimos na escola com as mães das crianças a serem batizadas e alguns homens pois a maioria deles estava trabalhando nas fazendas vizinhas como diaristas. A reunião foi muito boa e participativa.

Semana Cultural Bororo 2017 – Mr. Mario, Silvia e José Américo – ancião Bororo. FOTO: Missão Salesiana

Esclarecemos que nós viemos a pedido dos Bororo para preparar os batizados mas que não queremos criar uma religião paralela, separada da cultura dos Bororo, mas a partir da cultura bororo que é também um dom de Deus. Na aldeia tem muitos caminhos que no fim se juntam num só que chega ao rio. Assim é também a nossa vida. Deus nos quer unir conservando a diversidade. Na capa do livrinho de oração BOE BORORO feito pela diocese há uma procissão entrando no Baito significando que os Bororo já têm seu lugar e seu jeito de celebrar. A Silvia elencou os sete sacramentos da religião católica e os Bororo junto com o Mestre Mario descobriram que na cultura bororo há coisas muito parecidas. Ficou resumido assim:

BATISMO   –     BOE EIEDODU. (Ritual do nome.)

CRISMA      –    IPARE ENO BADODU. (Iniciação dos rapazes.)

PENITÊNCIA – MORI… (um dos aspectos do mori.)

EUCARISTIA – AROE ENOGWAGE. (Banquete das almas.)

MATRIMÔNIO-BOE EKERA MAKUDUI PUAIDU.

ORDEM     –     para: BARI, AROETAWARARE, BAPO ROGO…

UNÇÃO DOS ENFERMOS – OIEIGO.

Quando se falou de matrimônio dos Bororo ninguém falou nada. Então foi lembrado o ritual feito na aldeia do Garças e em Meruri após os anciões Manelzinho, Antônio Caio, Kanajó, Coqueiro e Raimundo lembrar como antigamente se fazia. Pena que há muito tempo que não se faz mais. Continuando a reflexão foram lembrados os pontos mais importantes do batismo. É ter fé em Jesus Cristo, deixar Ele entrar na vida da gente, acreditar na sua Palavra para ele ajudar a ser um bom Bororo, um Boe remawu, um Bororo de verdade. Acreditar que Jesus como Mori, pagamento e perdão das nossas coisas ruins morreu na Cruz e ressuscitou, jewodure. Assim como no Boe iedodu  a criança é apresentada à comunidade, tem o próprio clã, tem o seu padrinho que mora na aldeia e não longe dela, tem a própria metade que durante a vida deve sempre se preocupar com a outra metade, tem seus adornos, suas obrigações assim no batismo católico acontece o mesmo. Somos inseridos na comunidade cristã chamada igreja. Ser batizado é acreditar que Deus, Aroe Eimejera, criou todas as coisas, mandou seu Filho na terra nascendo de Maria, gente como nós, viveu simplesmente, pobre no meio dos pobres, amou e ensinou a amar, combateu o pecado, a injustiça, morreu, ressuscitou e mandou para nós o Espírito Santo, o Aroe Pemegareu, que nos dá força para ser bons. A criança não sabe disso mas seus pais e padrinhos devem saber disso e pouco a pouco ensinar para ela assim como ensinam as coisas da vida Bororo.

No ritual bororo a criança é lavada, espalmada de urucum e resina, Kidoguro, coberta de penugem branca, Akiri, e enfeitada com seus adornos clãnicos e recebendo o nome com o rosto rumo à luz do sol que nasce. No batismo cristão tem a água, o óleo parecido com o Kidoguro, a veste branca como o Akiri, e a vela simbolizando a luz do sol que é Jesus. Estas foram algumas das reflexões compartilhadas com os adultos presentes. No fim eles pediram insistentemente de preparar muitos jovens e adultos que ainda não receberam o sacramento da crisma. Nós pedimos que isso será feito com calma e com preparação adequada. Não basta receber o batismo ou a crisma e ficar tranquilos. Precisa assumir o que se pede. O Pe. Lauri começará aos poucos marcar presença como o Pe. Líbero muito lembrado pelos Bororo.

Depois do jantar sentamos com os adultos, na maioria mulheres, debaixo do barracão para falar da crise da conjuntura política indigenista. Destacamos que, em Brasília, a grande bancada ruralista não conseguindo votar a PEC 215 continua a paralisar as demarcações das terras indígenas atacando os índios com o Parecer 001 da AGU, condicionando-as ao marco temporal de 1988, ano da promulgação da Constituição Brasileira. A FUNAI sofrendo cortes de dinheiro, entregue ao partido evangélico do PSC e o agronegócio trocando num ano já três presidentes que obedeçam a ele. O Acampamento Terra Livre juntou em abril mais de três mil indígenas em Brasília para protestar contra tudo isso. Uns Bororo foram também. O governo golpista está percebendo que os indígenas estão organizados e prontos a voltar e protestar em Brasília e em várias regiões do Brasil. Se falou também do REDD, Redução de Emissão do Dióssido de carbono e Desmatamento. Procuramos traduzir em linguagem popular esta proposta dos governos ricos pagar para quem conserva o verde como os índios enquanto eles continuam a poluir o mundo e especular com o mesmo dinheiro.

O dia depois a Silvia foi pescar com um grupo de mulheres e o Mestre Mario ficou conversando com as pessoas e preparando o segundo encontro dos agentes de pastoral Bororo que acontecerá em Rondonópolis de 14 a 16 de agosto deste ano. Do  Perigara virão além do Virgílio Kidemugu e sua esposa Eliane Pariko Enaudo o chefe de posto Edmundo Bororo e a esposa Luisa Rodrigues de Oliveira, conhecida como Sueli que conhece os Bororo há muito tempo e já trabalhou como catequista em paróquia de Cuiabá. À tarde tomamos o caminho de volta cansados e felizes ao mesmo tempo. Vimos uma aldeia tranquila e serena e também com os mesmos desafios das demais aldeias dos Bororo. Mesmo isolada nesta aldeia também há bastante alcoolismo, dificuldades de subsistência, trabalhos nas fazendas vizinha e a presença dos evangélicos. Voltou nestes dias no Perigara o casal evangélico de americanos do Instituto Linguístico do Verão que conhecem bem a língua dos Bororo e traduzem a Bíblia. Dialogamos fraternalmente com eles e respeitamos as famílias que os seguem.

Mestre Mario Bordignon, SDB, CIMI-MT.